Atenção Terna e Carinhosa: Eu mereço! "Quando um amigo querido está convalescendo de uma doença grave, nós geralmente tentamos dar-lhe o que as boas enfermeiras chamam A.T.C. - Atenção Terna e Carinhosa. Mimamos uma criança doente, oferecendo-lhe os pratos favoritos e divertimentos para ajudar na recuperação. A convalescença da doença do alcoolismo leva algum tempo, e qualquer pessoa que nela se encontre merece consideração e certa dose de A.T.C." (Viver Sóbrio) Sou de família humilde, filho de uma viúva que, com apenas 40 anos de idade perdeu o marido e ficou com 10 filhos para criar. Como filho mais novo e pelo fato de não ter conhecido meu pai, que morreu 10 dias antes do meu nascimento fui merecedor de muito carinho e afeto. Em meio a tantas dificuldades, minha mãe assumiu também a difícil tarefa de pai. Ela foi brilhante! Muito religiosa, dedicou sua vida inteira exclusivamente à numerosa família, transpondo obstáculos, nos dando toda sua dedicação e o amor, que só uma mãe pode dar. Como vêem, pelo exemplo familiar eu não tinha razão alguma para tornar-me um alcoólico. O fato é que, por ter sido um adolescente muito tímido achei que imitando outras pessoas eu conseguiria me livrar da timidez. Foi então que comecei a tomar alguns copos de cerveja. Desconhecedor das reações negativas provocadas pelo consumo de álcool,achei que tinha encontrado a solução para o meu problema e assim continuei bebendo. Sem que eu percebesse, tornei-me um doente. Eu jamais imaginaria que de uma simples imitação viesse a me tornar um dependente e, quanto mais eu Achava que podia controlar a minha maneira de beber, era o álcool que, com a sua propriedade viciante, estava me dominando. Algumas pessoas me davam conselhos, me alertavam sobre a minha bebedeira, mas eu sempre dizia para elas que eu bebia quando queria e pararia quando eu quis esse. Ledo engano. O tempo foi passando e, cada vez mais, eu me afundava. Até que um dia, minha irmã e meu cunhado que fazem parte da Irmandade me convidaram para eu conhece um Grupo de A.A. Depois de muita insistência, resolvi aceitar o convite. A minha mente doentia não me permitiu perceber a grandeza do programa de A.A., seus princípios básicos: os Passos, as Tradições e os Conceitos. No período de aproximadamente dois anos, recaí duas vezes. Lembro-me que eu não conseguia passar três meses sóbrio. Foi então que, em janeiro de 1995, um vizinho bateu à minha porta para me dar um recado. Acordei atordoado e de ressaca. Quando cheguei ao portão, recebi uma triste notícia: lamento informar, mas a sua mãe faleceu. Com certeza, aquele foi o pior dia da minha vida. Eu não tinha menor condição espiritual para aceitar o fato. Apesar de eu jamais ter esquecido de que o álcool pode levar à morte prematura, passei a beber demasiadamente na esperança de que ele abreviasse a minha vida, pois eu não tive coragem de tentar outra forma de suicídio. Seis meses depois, após uma noite de orgia e muita bebedeira, comecei a passar mal. Desesperada, a minha filha mais nova ao ver a minha agonia foi pedir ajuda à minha esposa: "mãe vai dar um remédio a painho". Muito desgastada pelo meu alcoolismo, minha esposa não teve outra resposta a dar: "Eu não posso fazer mais nada pelo seu pai. Estou cansada. Ele quer morrer que morra sozinho." Minha filha, inocente e desolada, retornou e entristecida me indagou: "Meu pai, por que o senhor bebe tanto?" Naquele instante, arrependido pelo que eu estava fazendo, pensei: Meu Deus, será que o Senhor me botou no mundo para viver nesta condição? Será que eu tenho o direito de fazer isto com a minha família? De repente, lembrei-me das palavras da minha saudosa mãe. Foi como se estivesse dizendo ao meu ouvido: "Seja persistente, não desanime, volte para o Grupo. Você conseguirá!" Assim que melhorei um pouco, eu disse à minha esposa: amanhã voltarei para o A.A., vou tentar novamente. Desacreditada, ela me respondeu: Você nunca passa mais de três meses sóbrio. Sabendo que ela falava a verdade, eu respondi:- Não tem problema, tentarei novamente, com certeza, lá eu estarei bem melhor. Graças à Deus, há oito anos que não sinto mais o gosto de cabo de guarda-chuva na boca, que não me faço mais de palhaço. Posso afirmar que fui iluminado e que busquei minhas forças no meu fundo de poço, nas palavras da minha filha e na lembrança da minha mãe. Hoje tenho consciência de que tudo que aconteceu comigo foi absolutamente necessário. Deus sabe o que faz ! Retornei ao Grupo e procurei a ajuda da medicina para aliviar a ansiedade que não me permitia ficar abstêmio por muito tempo. No meu caso, tive que procurar ajuda especializada, que na Irmandade não dispomos. Aos poucos, minha mente começou a se desanimar e eu descobri que, além de ingressar no Grupo, eu precisava levar a sério o Programa da Irmandade. Busquei o conhecimento da Irmandade através da literatura oficial. Aprendi que num grupo todos estamos em fase de recuperação, que cada um fala de si e por si. Percebi que a obediência a todos os Legados da Irmandade é importante para a minha recuperação. Fiz da literatura a minha madrinha e por ela tenho um profundo respeito. Não acredito que um simples mortal, sem a iluminação de Deus pudesse fazer coisa igual. Aprendi que, quando levo a mensagem, na verdade não estou só ajudando, estou sendo ajudado e que tudo que eu fizer em A.A., estarei fazendo por mim mesmo. Agradeço a Deus pela minha sobriedade, pela mãe que tive e pela minha família que hoje se tornou imensa. Espero que nenhum membro da nossa Irmandade tenha que perder sua mãe ou voltar a beber para lhes dar seu verdadeiro valor. Que Deus ilumine a todos e conceda-lhes mais vinte e quatro horas de sobriedade. Um Membro/Aracajú/SE REVISTA BRASILEIRA DE ALCOÓLICOS ANÔNIMOS Nº 102 - JUL/AGO 2006 |