Há certos momentos na vida que nos defrontamos conosco mesmo. Olhamos de frente e de perto o espelho d'alma. Nos vemos nus, despidos de todo atavio e disfarce. Vemos a nossa verdadeira face, sem o sorriso dissimulado ou sem a carranca de pedra que costumamos ostentar nas horas difíceis. É extremamente doloroso olharmos dentro de nós mesmos. É extremamente cruel saber que mentimos através dos anos, para os outros e para nós mesmos. Estáticos e espantados, encaramos nossa verdadeira cara, o nosso verdadeiro ego. No transcurso desse inventário moral, podem ocorrer duas coisas: podemos recuar, deixando de fazer uma reformulação em nosso ser e em nossa vida; ou enfrentar os fatos, promovendo uma radical transformação de nós mesmos. Nem sempre, porém, o confronto é tão rigoroso, tão severo. A necessidade de transformação faz parte da vida. Faz parte do cosmos, da própria natureza dos seres. Tudo no universo está em permanente transformação. A matéria sofre constante entropia, com crescente desorganização; o espírito sofre fenômeno inverso, a negentropia, com a crescente organização de si mesmo. O próprio universo está cambiando. A mudança é sua lei, caminhando sempre, ora evolutivamente ora involutivamente. Nós, almas viventes, somos partículas do universo. A transformação é coisa nossa, faz parte do íntimo de nosso ser. Permanecer imóvel, sem transformação, é coisa antinatural e altamente negativa. A "metamorfose" pode ser coletiva ou individual. Uma transformação coletiva radical denomina-se revolução. Nenhuma revolução é permanente se ela não conseguir mudar individualmente as crianças, os seres humanos. Logo, a verdadeira transformação é aquela que consegue mudar as pessoas, individualmente. Toda mudança pressupõe que devamos adquirir novas maneiras de pensar. De um modo geral, estamos acostumados a pensar de acordo com um determinado sistema de raciocínios e consoante os debilitantes sentimentos deles derivados. É preciso muito esforço para que possamos nos livrar de todos os velhos hábitos de raciocínio que cultivamos até hoje. Toda mudança pressupõe um risco, um desafio e um enfrentamento de uma coisa nova, desconhecida. Isto nos dá um sentimento de medo, de tibieza, de incerteza. Somente poderemos vencer o medo através da aquisição de um sentimento maior, mais poderoso. Esse sentimento denomina-se Fé. Da mesma forma que o Medo e o Orgulho fazem parte de uma mesma moeda, Fé e Humildade são faces distintas doutra moeda. A alavanca da Fé remove montanhas, rechaça o medo e favorece a evolução do ser humano. Alcança-se a Fé por meio da Humildade. O evangelista Jimmy Swaggart diz que a Humildade perfeita pressupõe ausência da inveja. É quando ficamos felizes em assistir ao sucesso e triunfo dos outros mais do que o nosso próprio. Bill W. conceitua a humildade perfeita como o completo despojamento do ego e de seus defeitos de caráter. Seria a boa-vontade permanente em fazer a vontade de DEUS a todo momento e em todo lugar. Fora esses casos de Humildade dita perfeita, podemos dizer que a Humildade em si caracteriza-se por: - aceitação das coisas que não podemos modificar; - aceitação clara do que realmente somos e sincero esforço para nos convertermos no que realmente poderíamos ser; - aceitação de um Poder Superior e o desejo de fazer Sua vontade. Procedida a Aceitação, e com alguma dose de Humildade e de Fé, podemos, então, partir para o próximo passo, com toda a persistência e honestidade possível. Devemos explorar, mediante a auto-análise, a nós mesmos. Isto requer coragem e determinação, pois a auto-análise pode revelar dezenas de traços negativos, que não queríamos ver. Como exemplo, a auto-observação revela, com frequência, que dissemos uma coisa em público mas, em particular, pensávamos exatamente o oposto. Não devemos nos condenar pelo que vemos, devemos apenas, com serenidade e estado de alerta, deixar que tudo isso desfile em nossa tela mental. A auto-análise, seguida da meditação constante, nos conduz à trilha da libertação. A mudança de velhos hábitos é prática que exige disciplina árdua, pois significa transformar a velha natureza, matar o antigo EGO e fazer brotar o novo EU. É aquilo que JESUS CRISTO nos ensina: "ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho; porque o remendo tira parte do vestido, e fica maior a rotura. Nem se põe vinho novo em odres velhos; do contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho, e os odres se perdem. Mas, põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam" (Mateus, 9, 16/17). Depois desses passos fundamentais, resta-nos como ferramenta de autotransformação a prática diuturna da ORAÇÃO. O Programa de A.A. nos propicia um poderoso instrumento de auto-mudança para vida melhor e mais plena. Seus instrumentos mais eficazes são a "Oração da Serenidade" e os "Doze Passos". Tudo o que ficou dito neste trabalho está contido nestes dois instrumentos de auto-reformulação. O programa de A.A. é um processo cibernético. Trata-se de uma caixa hermeticamente fechada, com uma entrada e uma saída. Se colocarmos apenas "inputs" negativos no orifício de entrada, tais como: ressentimentos, mágoas, autocomiseração, vazios, temores, culpas, etc., teremos na saída como "outputs", a depressão, a queda na saúde física e mental, o desânimo e o fracasso. Se pusermos pensamentos sadios e o desejo de auto-reformulação, teremos resultados positivos, tais como: felicidade, criatividade, tolerância, amor, boa saúde, equilíbrio mental, serenidade, coragem e sabedoria. Bill W. descreve, com sabedoria, a luta pela libertação do alcoolismo, através do crescimento espiritual: "O objetivo imediato de nossa luta é a sobriedade, a abstenção do álcool e de suas nefastas consequências. Sem esta libertação, não alcançaremos absolutamente nada. Paradoxalmente, no entanto, não poderemos lograr libertação alguma, com exceção daquela referente ao uso do álcool, se não fizermos alguma coisa no sentido de erradicar nossos defeitos de caráter, que um dia nos levaram à bebida. Nessa luta pela libertação, depararemos sempre com três alternativas: a negativa rebelde de lutar contra os defeitos de caráter, o que, em outras palavras, significa uma passagem direta para o inferno; outra atitude seria a de permanecermos sóbrios durante algum tempo, de contentarmo-nos com um mínimo de aperfeiçoamento moral, estagnados numa mediocridade cômoda, frequentemente perigosa; finalmente, poderíamos lutar com todo empenho por conquistar valiosas qualidades pessoais que nos elevariam a um estado de espírito e ação, resultando, finalmente, numa liberdade verdadeira e duradoura, sob a égide de Deus." Revista Vivência nº 6 - Jan/Fev/Mar 1988 /Número Especial |