Família, Você está doente? Na convivência com o alcoólico na ativa, os problemas se acentuam e o relacionamento familiar torna-se também doente. O alcoolismo é uma doença progressiva, incurável e fatal. Atinge o ser humano independentemente de sua condição social, credo ou raça. É uma doença tríplice, ou seja, é física, emocional e espiritual e tem uma característica peculiar: embora não seja contagiosa, é contagiante, afetando de maneira semelhante as pessoas que convivem com o portador dela Com isso estamos afirmando que os mesmos sintomas que aos poucos vão desagregando o alcoólico, também vão minando as pessoas que convivem mais proximamente com ele: a família. Considerando os aspectos físicos da doença - se é verdade que o familiar não vai ter, por exemplo, seu aparelho digestivo corroído quimicamente pelo álcool, também é verdade que as constantes tensões emocionais terminam por causar-lhe alguns danos físicos. É comum ouvirmos queixas do tipo: gastrites, enxaquecas, colites, pressão no peito, pressão alta, relatadas por esposas, mães, filhos e visivelmente relacionadas com as constantes frustrações, ansiedades, medos e angústias causados pelo beber descontrolado de seu alcoólico e pelas infrutíferas tentativas de controlar esse beber. Para falarmos sobre o quanto a família fica afetada emocionalmente, vamos falar um pouco sobre sentimentos e emoções. Quando crianças, expressamos com naturalidade nossos sentimentos e emoções. Choramos quando estamos desconfortáveis e com fome, gritamos e esperneamos quando somos contrariados. Em suma, expressamos nossos sentimentos naturalmente sem termos sido influenciados por padrões de conduta. À medida que crescemos, vamos recebendo informações. Vamos sendo educados. Aprendemos com nossos pais, parentes, amigos, professores, religião, etc., que é feio sentirmos isso ou aquilo, que não fica bem expressar isso ou aquilo. Quem não conhece a expressão "homem não chora"? Aos poucos, podemos ir perdendo a capacidade de identificar e expressar com naturalidade sentimentos e emoções. Crescemos com essa dificuldade, e se não procurarmos trabalha-la, não amadureceremos emocionalmente e teremos também problemas de relacionamento, já que um relacionamento só é pleno quando somos capazes de sermos honestos, inteiros e íntegros na relação. Na convivência com o alcoólico, essa dificuldade se acentua. Sentimentos extremamente desconfortáveis vão aumentando. Raiva, ressentimento, medo, culpa, ansiedade, frustração, angústia, decepção e tristeza são uma constante na relação, e o máximo que se consegue são explosões esporádicas que causam mais problemas, já que esses sentimentos não foram trabalhados, mas agidos. Ora, uma pessoa que está num relacionamento, sufocada por esses sentimentos, não pode estar emocionalmente saudável. E, espiritualmente? Será que também a família está afetada? Vamos inicialmente definir o que é espiritualidade. Uma das definições que mais me agrada é: "espiritualidade é a qualidade de relacionamento com o que ou com quem é mais importante em minha vida". Partindo dessa afirmação, como estão esses relacionamentos familiares? Que qualidade eles poderão ter? Como estão se relacionando entre si e com a sociedade de uma forma geral? Provavelmente contaminados por ressentimentos, vergonhas e culpas. Utilizando os mesmos mecanismos de defesa que o alcoólico, justificando, racionalizando e projetando. Quanto mais utilizar esses mecanismos, mais incapacidade de confrontar a própria realidade. Tornam-se também isolados e embotados. Seu comportamento está doente e portanto seus relacionamentos também. Espiritualmente ela também foi afetada. É aí que os Doze Passos atuam também na recuperação do familiar, já que o programa é essencialmente um programa espiritual. Os Doze Passos tratam tão somente da reestruturação de todos os relacionamentos. No Primeiro Passo ele mostra a relação com o álcool e sugere a direção a ser seguida, ressaltando o quão destrutiva ela se tornou. No Segundo e Terceiro Passos percebemos a importância da reformulação da nossa relação com um Poder Superior que não deve ser mais manipulativa. No Quarto, Quinto, Sexto, Sétimo e Décimo Passos, percebemos nossa relação com nós mesmos, nossa responsabilidade pessoal com nosso crescimento. Nos Oitavo e Nono Passos reestruturamos nossa relação com o outro. Reformulamos nosso comportamento nessa relações. No Décimo Primeiro Passo aprimoramos nosso relacionamento com um Poder Superior. E no Décimo Segundo Passo, estamos aptos para ajudar, porque crescemos como pessoas e crescendo como pessoas melhoramos o nível de todos os nossos relacionamentos - e por causa disso também crescemos espiritualmente. Vivência nº 47 / Maio e Junho de 1997 |