Sou um alcoólico em recuperação que, pela graça de um Poder Superior, desta Irmandade maravilhosa de Alcoólicos Anônimos, de cada depoimento proferido por meus irmãos em cabeceira de mesa, reforça seu desejo de viver sua vida de um modo tranquilo, sereno e dedicado a uma transformação profunda, com certeza aquela que foi projetada por um Poder Superior, de felicidade plena. Quando vi pela primeira vez alguma coisa de A.A., não me tocou, pois nem sabia o que era Alcoólicos Anônimos. Sou técnico instalador em material de segurança e antenas parabólicas. A história que vou relatar aconteceu há mais ou menos uns quinze anos e marcou-me pela frase que escutei de um alcoólatra em recuperação: "HOJE VIVO A VIDA DO JEITO QUE ELA É." Essa pessoa, três anos antes de me dizer esta frase, havia solicitado a manutenção em sua antena parabólica após uma forte chuva de granizo em nossa cidade. Nessa época, eu era sócio de uma loja em Juiz de Fora e fui fazer a manutenção, já ressabiado, pois sabia que se tratava de um "cachaceiro arrogante e sem educação" (fui eu quem recebeu o telefonema solicitando o serviço). Assim, fomos, eu e um ajudante, ao apartamento desse cidadão. Chegando ao local, as cenas que vimos foram terríveis: um apartamento de dois quartos, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e varanda, completamente desleixado. Fomos recebidos pela porta da cozinha por um homem aparentando seus 60 e poucos anos, muito debilitado, inchado, falando de maneira difícil de entender, provavelmente com algumas 24 horas afastado do banho - o que lhe dava um cheiro desagradável que se alastrava por todo o apartamento. Não deixei de notar a pobreza mobiliária daquele lugar. Notei também que, na pia, existiam umas seis garrafas vazias de conhaque, uns marmitex mexidos e já mofados, alguns copos sujos, uma mesa com duas cadeiras; na sala um sofá bastante surrado, uma televisão com dois ou três anos de uso; no quarto uma cama de casal com um cobertor revirado; e o outro quarto estava com a porta fechada. A impressão que tive é que esse homem tinha sido abandonado pela família. Quando dei o orçamento do serviço, pensei que seria agredido. O homem pegou o dinheiro todo amassado no bolso, mostrou que podia pagar e mandou que fizéssemos o serviço. O que foi feito com êxito. Este fato marcou minha vida profissional. Passaram-se pouco mais de três anos, quando novamente houve uma forte chuva de granizo, e recebemos solicitação de manutenção no mesmo endereço. Desta vez a pessoa que pediu a manutenção foi de uma educação exemplar. Sendo assim, eu e meu ajudante fomos fazer o serviço. Qual não foi meu espanto quando fomos atendidos na porta da cozinha por aquele mesmo homem de alguns anos atrás, totalmente modificado, não somente ele, mas o apartamento era outro. Sua cozinha estava totalmente aparelhada, mobiliada com os mais modernos utensílios, a sala também modificada, com uma TV moderna de 29, jogo de sofá novinho, mesa de centro, cortina, etc. Depois de concluídos os serviços externos e fazendo os ajustes finais, pude perceber, em cima da estante ao lado do receptor da antena parabólica, uma ficha de dois anos de sobriedade em Alcoólicos Anônimos. Por curiosidade, perguntei àquele homem o que era aquilo: "A.A."? Ele me respondeu que: "aquilo tinha salvado sua vida" e que A.A. era uma Irmandade de homens e mulheres que com,partilhavam experiências, forças e esperanças a fim de se manterem sóbrios e ajudar a outras pessoas que tinham problemas com bebida alcoólica. Perguntou a mim e ao meu ajudante se tínhamos problema com bebida alcoólica? Como, naquela época eu já bebia descontroladamente, com muita arrogância, respondi que não tínhamos nenhum problema, que bebíamos, mas sabíamos a hora de parar. Antes de sairmos, ele nos contou parte de sua história: disse que era militar, que começou a beber muito cedo e que perdeu o controle quando, num acidente de automóvel, em que estava alcoolizado, foi responsável pela morte de seus familiares (esposa e filha), e desde então, só tinha um desejo: acabar com sua vida. Mas não tinha coragem de chegar às vias de fato. Um dia, depois de uma bebedeira descontrolada, ficou caído na rua, e um companheiro de profissão (também militar) encaminhou-o para o hospital. Depois dos primeiros atendimentos, ficou amarrado em uma cama até ser transferido para uma clínica de recuperação. Lá, conheceu o programa de Passos de A.A., e sua vida mudou. Ingressou em um Grupo de A.A., e há alguns dias, tinha completado 2 anos de sobriedade, passando a viver a vida como ela é! Porém, um dia, minha vida também mudou: reconheci ser impotente perante o álcool e que tinha perdido o domínio da minha vida. Então, rendi-me e me entreguei a esta maravilhosa Irmandade que vem salvando muitas vidas, a minha e de várias pessoas, inclusive a vida do homem desta história. Hoje, com algumas 24 horas de sobriedade em Alcoólicos Anônimos, vivendo a vida da melhor maneira possível, SÓBRIO, EVITANDO O PRIMEIRO GOLE, ACREDITANDO EM UM PODER SUPERIOR, FAZENDO AS REPARAÇÕES NECESSÁRIAS, TRANSMITINDO A MENSAGEM PARA AQUELE QUE SOFRE, ESTANDO EM UNIDADE E ENVOLVIDO NO SERVIÇO DE A.A., sou muito feliz e reconheço - em cada companheiro que em cabeceira de mesa conta um pouco da minha história - um herói para seus familiares e para sua comunidade. Hoje, procuramos ser exemplos nas nossas famílias, em nossas comunidades e até nos botecos que frequentávamos. Não tive oportunidade de me encontrar em, nenhuma reunião com aquele homem, do qual, por sinal, só me lembro de chamá-lo de Sr. José. No entanto, sei que o Poder Superior o usou para semear em meu coração a semente de A.A. Não sei se ainda mora em JF, se continua participando de reuniões, se é assinante da Revista Vivência e se ele se reconheceria nesta história. A todos, serenas e sóbrias 24 horas. MKirch. JF/MG Vivência nº 158 - Nov/Dez 2015 |